quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

OS (INFELIZMENTE, POUCOS) LIVROS QUE FORAM MEUS COMPANHEIROS EM 2017




Vergonhosamente deveria estar escrevendo sobre os melhores livros que li este ano, mas percebi que li apenas oito, então por dor na consciência resolvi falar sobre esses poucos livros que foram meus companheiros e tentarei organizar por ordem de preferência. Ou seja: meta pra 2018 com certeza será melhorar isso aí hahaha.

8. Hamlet - William Shakespeare 


Sim, eu estou com um pouco de dificuldade em colocar uma das maiores obras do mundo, de um dos maiores escritores (e segundo meu professor de literatura inglesa, O maior do ocidente) em último lugar da lista, mas meu critério não está essencialmente na qualidade, até porque não sei se me julgo apta para discernir ou entender todas as dimensões de Hamlet, mas o critério está mais para o quanto a obra me tocou. Hamlet é um texto dramático que fala sobre um jovem rapaz que, após a morte do pai, Rei da Dinamarca, aparece-lhe como fantasma para explicar que fora vítima de uma armação de seu irmão Cláudio que o envenenou e  casou com sua esposa, mãe de Hamlet. A grande questão da obra está no cerne das dimensões humanas: a relação quase edípica que existe no conjunto familiar; a sede pelo poder; a existência e o significado das ações humanas. É brilhante e nas partes finais juro que coloquei literalmente a mão na boca com todas as revelações. 

7.A Cidade Sitiada -  Clarice Lispector


Eu comentei um dia desses que Clarice é daquelas escritoras em que a gente lê, não entende muita coisa, mas sente cada palavra como tiro no peito. É isso que mais uma vez senti ao ler A Cidade Sitiada, um dos primeiros romances da gênia da nossa literatura que fala sobre Lucrécia, uma garota que mora em um subúrbio, São Geraldo (que aqui funciona como um personagem, acredito) na década de 20 e por vezes tem uma relação de simbiose com a pequena cidade, existindo apenas do que vê, se enxergando por fora, por um medo excessivo de se conhecer ou por não se atinar para quem realmente é, assustando-se a cada momento em que, olhando o crescimento da cidade e o descontrole de cada ação antes monótona e diária como a confusão que enxerga em si mesmo por agora não se ver na cidade e ser obrigada a questionar sua própria existência. Doeu em mim e tive uma das experiências literárias mais estranhas e fascinantes da minha vida, apesar de ainda não ter certeza se entendi tudo o que li. 

6. A Revolução dos Bichos - George Orwell


Esse foi mais recente, e assim como Hamlet e O retrato de Dorian Gray (que irei falar mais tarde) foi fruto de um trabalho da cadeira de Literatura Inglesa do curso que faço. O que deveria ser obrigação foi um prazer, na verdade, já que A Revolução dos bichos era uma das minhas metas de leitura pra vida. A história que acompanha o despertamento dos animais para com a crueldade dos homens, atenta para fazer da crueldade dos próprios animais sob outros uma forma de alegorizar a fracassada revolução russa, que deturpou os ideais marxistas e fez o completo contrário do que pretendia sob o poderio de Stalin e sua sede de poder. A obra, apesar de direcionada a um tempo, não é datada, pois aborda temas universais acerca do discurso totalitário, que inclusive está na moda no mundo todo, principalmente aqui no país, assim também como é genial ao indicar que o buraco é mais embaixo quando põe em evidência que o motivo de todo o fracasso de qualquer ideal, por mais bonito que seja, é o próprio ser humano e sua ambição desgovernada. 

5. As Meninas - Lygia Fagundes Telles 



Li Dostoiévsky este ano jurando que seria minha leitura mais difícil, mas não. Lygia Fagundes Telles olhou para essa declaração minha e disse: "Wait, dear, hold my beer" (para aproveitar a nova sensação criada pela namorada de Biel de misturar inglês com português, né hahaha). As Meninas, romance escrito nos anos 70, auge da ditadura militar no Brasil e também tendo esse período duro estampado no enredo, fala sobre a vida de três meninas universitárias, amigas, com diferentes personalidades, todas representando modos de ser da sociedade convivendo com a repressão militar. Se por um lado tínhamos Lorena, uma garota rica, cheia de requintes, alheia aos problemas sociais, adequada ao conceito de boa moça: virgem, culta e requintada, por outro tínhamos Ana Clara: envolvida com drogas e disposta a fazer qualquer coisa para subir de vida e apagar seu passado pobre e sofrido. Atenta aos problemas sociais, também se tinha Lia ou Lião, como é carinhosamente chamada por Lorena, uma garota envolvida nos movimentos sociais cuja vida é marcada por desconstruções de conceitos sobre o que deveria ser uma mulher naquele tempo, e constante medo da morte e do açoite, ao mesmo tempo que forte. Todas mulheres, todas destemidas, todas vulneráveis, já que Lorena, apesar de aparentar boa moça e ser tudo o que uma família gostaria, possui dificuldades no relacionamento com a mãe e uma intensa busca por identidade, assim como se vê apaixonada por um homem casado, saciando seus desejos ideias lidos em livros; Ana Clara, envolvida com um traficante e noiva de outro, não consegue se libertar do mundo do transe da droga para viver o que de fato é real; Lia, atenta aos movimentos sociais, forte e invencível, percebe que a qualquer momento pode se ver à míngua, e que não tem tanto poder diante de um sistema opressor. Aliado a essa história se tem uma linguagem absurdamente brilhante (o que faz a leitura ser bem complicada) utilizando como foco narrativo o fluxo da consciência juntamente com a primeira pessoa que, sem pedir licença, muda de voz para a mente de outro personagem, cabendo ao leitor decifrar quem está narrando; talvez tecendo um paralelo de que a confusão de vozes das três personagens pode ser um indício de que, no fim, todas encontravam suas identidades umas nas outras: o feminino e a construção do país sob as três representações da sociedade brasileira nos anos da ditadura: apática, ambiciosa ou militante. 

4. Os Mortos Não Comem Açúcar - Alexandre Furtado


Alexandre Furtado é meu professor de literatura inglesa e, por esta razão, curiosa fui dar uma chance para sua obra mais recente que tem já no título algo que nos faz ter vontade de descobrir que açúcar é esse e quem são os mortos. Li em três dias e fiquei positivamente impressionada com a genialidade de fazer com que a sua obra seja, realmente, de fronteira, como se propõe. Não se sabe se são contos, não se sabe se é um romance; há música entrelaçando a narrativa, assim como elementos de cinema na linguagem. Não dá pra definir. Adentrando a história, ou a novela, ou aos contos que falam sobre diversos personagens no Recife dos anos 70 entrelaçados pelo desejo, percebe-se que a construção dos personagens em toda a fúria do desejo, da carnalidade, das fugas às convenções sociais ou adequamentos a estas pela aparência, são animais regidos pelo desejo e é exatamente isto que os torna humanos. 
Desde Lolita, nunca mais li uma obra que desafiasse tanto meus conceitos morais e por esta razão merece estar no top 4, porque como diz uma outra professora minha: se um determinado objeto criado por um artista incomoda você ou te tira da zona de conforto, você pode estar diante de uma obra de arte. 

3. A Redoma de Vidro - Sylvia Plath



Como disse no começo, o maior critério para a lista está no quanto que as obras me tocaram, não apenas no que se diz em qualidade artística, porque senão Shakespeare provavelmente estaria nas primeiras colocações. E não é pra menos que A Redoma de Vidro, único romance de Plath esteja em terceiro lugar. Em uma dolorosa história quase autobiográfica de uma garota que alcança tudo o que quer, mas que se vê mergulhada em depressão, somos juntamente como Esther arrastados para esta redoma da existência, este lugar frágil entre a morte e a vida, entre estar vivo, mas não estar morto, entre estar morto, mas respirar. Dolorosamente vamos sendo entregues ao martírio existencial da protagonista, e por esta razão faz-se necessário entender que esta não é uma obra fácil de se ler. É um soco de estômago contínuo, uma morte silenciosa e sofrida assistida e terrivelmente sentida por quem está lendo. 

2. O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde





Eu sempre ouvi falar desse grande clássico de Wilde, mas nunca tinha dado a devida atenção, afinal, onde há fumaça, há fogo e se a maioria das pessoas atravessando gerações afirmam que esta é uma verdadeira e maravilhosa obra de arte, devemos dar ouvidos. O retrato de Dorian Gray é um manifesto ao esteticismo, corrente filosófica e literária que pregava a beleza acima de quaisquer convenções morais. O que é belo existe e é suficiente. Por esta razão, a obra apresenta-se quase como um metaromance ao funcionar em sua linguagem como algo que cultua a beleza: são construções lexicais de deixar qualquer um fascinado. Mas não apenas por isso: a história do rapaz jovem e belo que vai se corrompendo e tendo as marcas da idade, da feiúra e da imoralidade no quadro pintado encantou e chocou a sociedade vitoriana assim como atravessou tempos. Abordando temas como: hedonismo, hipocrisia, homossexualidade e manipulação humana, O retrato de Dorian Gray é a beleza pela beleza, mesmo quando, na verdade está falando das mais vis ações humanas.

1. Os Irmãos Karamázov - Fiodor Dostoiévsky 



Contando a história de uma conturbada família em uma pequena cidade russa, Dostoiévsky nos apresenta de algo simples, o mais complexo: a condição humana e a moralidade. O ódio entre um pai glutão e bebedor e um filho que, ironicamente, torna-se o espelho do pai é apaziguado pelo outro filho, religioso e moral e filosofado pelo mais velho, um agnóstico, tendo como mote: se Deus não existe, tudo é permitido? 
Um assassinato acontece e de repente todos os irmãos estão na berlinda e todas as construções morais, sociais e religiosas caem diante da ambição, da violência e do ódio que parece que é o definidor da condição humana e iguala qualquer que esteja no caminho. Por essas e outras eu percebi o porque de tanto burburinho ao redor da figura de Dostoiévsky, em linguagem, em construção de personagens e em conceituações profundas beirando à pura filosofia, o russo parece ser imbatível e seu legado merece toda a glória que carrega e me inspira a querer ler todas as suas outras obras.

Agora me diga aí: quais foram os seus livros companheiros de 2017? 


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