quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019


Há algumas semanas decidi começar minha tradicional maratona do Oscar e fui no que mais estava me chamando atenção: BlacKKKlansman (ou “Infiltrado na Klan”) estrelado por John David Washington e dirigido por Spike Lee.
A história por si só já vale o play, mesmo que não fosse tecnicamente à altura, o que, definitivamente, não é o caso. O enredo se baseia na história real de Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, em plena década de 70 que se infiltra na Ku Klux Klan, comunicando-se por telefonemas e cartas e, quando precisa estar presencialmente, envia um policial branco para as reuniões. Ron Stallworth chega a ser líder local da seita e consegue, por esta razão, sabotar inúmeros atentados racistas.
Nessa história, por si só, curiosa, percebemos o drama a que Ron é submetido, não apenas por infiltrar-se na seita racista mais famosa e violenta da história do seu país, mas quando percebe as tonalidades do racismo. Ron até então só entendia o racismo quando exposto, caricato e explosivo como na organização da KKK, mas dolorosamente, após se envolver com uma militante do Panteras Negras, começa a ver nuances de opressão na instituição que trabalha, no olhar curioso do colega de trabalho, na fala do chefe.
A surpresa ainda é maior quando Flip, o policial branco ( e judeu!!!) percebe, ao entrar na seita, que a abordagem não seguia mais os moldes tão alarmantes e explícitos que esperava. Apesar de no interior serem abertamente racistas, organizarem atos violentos e desejarem tomar o mundo contra a conspiração judaica para acabar com os valores cristãos do branco ocidental, a metodologia da seita não era explícita para os de fora. A nova forma de se apresentarem era como mais tolerantes, como defensores de uma segregação “pacífica”, almejando com isso alcançar os altos lugares da política para defenderem os interesses do “nativo” branco americano.
Sim. Uma segregação pacífica; uma forma de neutralizar a imagem pesada de outrora, desejando o bem dos negros, com a condição de que esses ocupem os seus devidos lugares.
No diálogo que parece ser o mais importante da película, Ron conversa com seu colega de trabalho, e enquanto este explica para ele a nova metodologia da Klan, Ron indaga que aquilo não seria possível. Ninguém com aquela ideologia chegaria ao ponto de ter apreço político ou sequer ser ouvido.
Será?
Ao fim do filme, somos apresentados com comparações entre as falas supremacistas da ku klux klan e as passeatas dos orgulhosamente denominados de neonazistas em 2017 nos Eua. A passeata se apresentava como uma alternativa — como se fosse possível medir as causas — aos protestos da Black Lives Matter; julgaram-se como no direito de protestar pela causa do branco, do ocidental e do cristão.
O drama de Ron foi o de enxergar que as lutas não eram mais contra o estereótipo racista tão facilmente identificável, mas contra a normalização do absurdo travestido de tolerância. Em nome da divisão existencial que o fez enxergar além das divisões muito bem orquestradas pela política segregacionista do racismo norte-americano, Ron conseguiu sentir literalmente na pele que não conseguiria ser o super-herói que salvaria o racismo da polícia americana, mesmo, ao fim, conseguindo contornar as situações na instituição.
O buraco era mais embaixo.
Não era mais sobre as tochas acesas ou cruzes queimadas ou até as assustadoras roupas brancas, mas sobre a piadinha inofensiva de humor “negro”, o olhar julgador de quem não enxerga pretos em lugares de poder, a algema pra o negro que se mexe além do que “deveria” e porque não, a inofensiva e condescendente declaração do presidente dos estados unidos dizendo que “os dois lados estavam violentos” (sobre a tentativa de boicote e atentado de neonazistas em uma passeata antirracista) e que nem todos da passeata neonazista eram pessoas más.
O discurso da tolerância para o intolerável que fazia Ron Stallworth rir de incredulidade é o que mina com todas os fundamentos de humanidade que ainda resta na nossa civilização. É em nome de uma guerra contra inimigos invisíveis da conspiração anti valores cristãos, contra o“politicamente correto” que não deixa ninguém “brincar”; contra o‘extremismo’ que não permite os homens de serem machos, contra o vitimismo que não permite brancos se orgulharem de serem brancos, que os “inimigos” aparentemente novos, na verdade se revelam como as velhas caças para os poderosos caçadores.
Porque, na verdade, o maior objetivo do absurdo não é escancarar o ódio em cruzes ou tochas, mas sim o de nos fazer sentar num banco de praça e apertar suas mãos num gesto de profundo respeito ao simples, pitoresco e tradicional jeito de pensar do homem comum.
A grande questão é que a mão que apertamos ainda está suja de sangue.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018


2018 foi um ano esquisito, rápido demais, cheio de tensões políticas e sociais e eu diria até que  morno musicalmente, mas ainda bem que houve artistas que ousaram  falar de beleza, apesar de toda a situação caótica em que nos metemos.

Eomo em todos os anos, decidi fazer uma listinha que já venho fazendo em playlists do Spotify desde o começo do ano para compartilhar e sei que ninguém pediu minha opinião sobre, mas mesmo assim estou jogando, pois como dá pra notar: tenho muito tempo livre.

Meus critérios para a escolha dos discos e que me fizeram passar quase uma semana reouvindo e analisando tudo, são simples, primeiro eu procurei discos que a) gostei tanto que não parei de ouvir e b) não ouvi tanto mas amei demais. O mais complicado para mim foi a ordem de preferência, tem muitos discos que provavelmente irei me arrepender depois de ter colocado em determinada posição e tem outros que desde que ouvi já sabia que ocupariam pelo menos o top3. Depois de muito fone no ouvido e tempo sobrando pra escrever o que senti ouvindo, aqui estão os melhores discos de 2018 segundo a revista EU.



NACIONAIS

14. Where lights pours in - GUSTAVO BERTONI

Com uma melancolia que lhe é característica, Gustavo Bertoni, vocalista da banda de rock Scalene, nos apresenta uma obra (em inglês, vale salientar) que vai de relacionamentos, questionamentos existenciais e autocrítica, permeada de rock alternativo, pop-rock, baladas folk, com uma lírica poética que só Bertoni é capaz de nos proporcionar.

Não ouvi com frequência este álbum (esse é um dos critérios para estar nesta lista), mas toda vez que paro pra ouvir, fica impossível não se encantar.

Thai indica: Bluebird Be here now

13. Gente - PRISCILLA ALCÂNTARA

Priscilla Alcântara, a menina do PlayStation, tem uma imensa lista de álbuns lançados, mas nenhum causou tanto burburinho quanto Gente.

Com o propósito estético e conceitual de ter na linguagem uma ponte com todas as pessoas, a obra de Alcântara é pop com arranjos bem desenhados e construídos tendo como inspiração a música eletrônica e falando acerca de dores e conflitos, assuntos que conversam com todos os tipos de pessoas. 

Thai indica: Liberdade e Florescer

12. O Extraordinário em Nós - PAULO NAZARETH

A Crombie acabou deixando uma tristezinha no coração de quem acompanhava a banda de Niterói-RJ, mas para os saudosos, Paulo Nazareth não decepcionou: lançou um EP doce, cheio de poesia, brasilidade e serenidade, como todos nós gostamos.

Thai indica: Vai ver e O extraordinário em nós

11. Sinto Muito - DUDA BEAT

A produção visual de Duda Beat, artista recifense, evoca o retrô, mas não acaba só aqui. Colocando elementos do brega, pop, r&b, mas sem perder a brasilidade, o primeiro disco da cantora, que ganhou na categoria revelação da APCA, é uma viagem de timbres, arranjos e beats incríveis (como o prometido) tudo enquanto aborda sobre fins de relacionamento.

Thai indica: Pro Mundo Ouvir e Derretendo

10. Confissões - JEFERSON PILLAR

Como já falei na minha resenha, difícil é ver cristãos artistas dispostos a fugirem da performance e entregarem sua humanidade em música, mas assim fez Jeferson Pillar, cantor adventista. Sua mais recente obra, Confissões, foi companheira de muitas devocionais e momentos decisivos da minha vida com Deus durante este ano. 

Espere ser confrontado com a sinceridade de Pillar como eu fui, e quem sabe fazer das orações dele as nossas.

Thai indica: Fantasias e Quem me dera

9. Espelho - DRIK BARBOSA 

O hip Hop é um gênero predominantemente masculino e, por esta razão, fica-se apenas uma versão contada, mas ainda bem que temos Mrs. Lauryn Hill, Janelle Monae, Rimas & Melodias e também Drik Barbosa. Numa fusão interessante entre rap e R&B, não conseguimos dizer onde Drik começa cantando ou termina rimando, é tudo parte de sua identidade nesse primeiro EP que, como o título denuncia, fala de suas vivências e a sua versão da história.

8. Deus é Mulher - ELZA SOARES 

Vindo de um dos discos mais importantes dos últimos tempos (A mulher do fim do mundo) alçando lugares impressionantes como a lista dos 50 melhores álbuns de 2016 na revista conceituada Pitchfork, Elza Soares está em plena forma e nos entrega uma obra que parece ser continuação do disco anterior. Falando do feminino, do orgulho negro, da denúncia contra o racismo, Deus é Mulher é inquietante, cheio de arranjos complexos e com uma mensagem importante para os nossos dias.

Thai indica: Dentro de cada um e O que se cala

7. Cura - VIRATEMPO

Sei que um dos critérios para se estar aqui é eu ter ouvido muito, mas Cura foi uma descoberta apaixonante apos ter ouvido o podcast "Vamos falar de música?" Em que eles indicaram essa banda que, pode-se dizer, toca dream pop.

Apesar de não ter escutado muito e de ter descoberto há menos de 2 semanas, Cura ocupa este lugar por simplesmente ser lindo, delicado, bem produzido e encantador.

Thai indica: Floresça e O quarto (feat. Gab Ferreira)

6. Crise - RASHID

Eu não era fã de rap, tinha aquele ar prepotente de achar que música era apenas o fino MPB, o folk, o indie... Não sabendo eu que o rap é o lugar em que não há conforto, em que o dedo na ferida faz sangrar, em que meu povo e minha classe são protagonistas. Enfim, cresci e amadureci e Rashid, uma das primeiras entradas minhas para o hip-hop, foi um dos responsáveis por isso, esse ano, lançando Crise, um álbum rico e liricamente dúbio ao falar de grandiosidase e questionamentos internos.

Thai indica: Estereótipo e Se tudo der errado amanhã (feat. Ellen Oléria)

5. Tônus - CARNE DOCE

Em 2016 eu via muitas publicações de conhecidos acerca do Princesa da Carne Doce. Ouvi algumas canções e simplesmente não bateu o santo, pois como gosto de afirmar, não sou indie suficiente pra ouvir coisa experimental demais. Desde então tinha tomado uma certa distância da banda pela experiência ruim que tive ao ouvi-los.

Mas este ano foi diferente. Após ouvir novamente o podcast "Vamos falar de música?" fui persuadida pelos comentários positivos dos participantes da conversa e dei uma chance ao novo lançamento Tônus com uma capa curiosa.

Foi um acerto e tanto! Tônus é um dos discos mais bonitos do ano e não sai dos meus ouvidos. Temas como: feminino, libertação sexual, aceitação fazem com que a gente se sinta constrangido como se estivesse ouvindo confidências dolorosas de uma amiga.

Thai indica: Tônus e Irmãs

4. Como, então, viveremos? - OS ARRAIS

Quem me conhece sabe o quanto admiro os irmãos Arrais. Há algo de inspirador e teologicamente desafiador em suas letras e não poderia ser diferente com Como, então, viveremos? Um EP que fecha a narrativa iniciada em Mais (2013) questionando acerca das dores cotidianas e como podemos transformá-las em começo nesse espaço de tempo que ainda temos, sem apresentarem respostas, mas apenas perguntas. Como cristãos não estamos acostumados à dúvida angustiante de alguns salmos, mas André e Tiago Arrais parecem querer nos deixar confortáveis. E que bom por isso!

Thai indica: Instante e Dia

3. Brasileiro - SILVA 

Assim quando saiu, lembro de ter ouvido sem intervalo de tempo por semanas a fio e isso foi tão intenso que desde então nunca mais escutei.

Brasileiro do capixaba Silva me encantou por causa da homenagem ao nosso país em um tempo em que estava (e está) difícil de se orgulhar. Foi um raio emocional ouvir samba, batidas de maracatu, Bossa nova como formas de alimentar um amor por este país tão cheio de conflitos e indefinição.

Thai indica: Milhões de Vozes e Prova dos Nove

2. Bluesman - BACO EXÚ DO BLUES

Sem sombra de dúvidas, Bluesman foi o lançamento mais importante do ano e Baco Exu do Blues parece cada vez mais próximo do que poderia ser um dos nomes mais respeitados da nossa música, principalmente por trazer ao mainstream algo tão importante e bonito quanto esse disco.

Coeso e complexo, Bluesman desde a capa explora o conceito de fuga dos estereótipos aos negros. Masculinidade negra, saúde mental, vulnerabilidade e grandiosidade são os elementos que constroem uma narrativa de destruição do que é considerado bom para um negro ser "aceitável" na nossa sociedade.

Thai indica: Minotauro de Borges e Flamingos (feat. Tuyo).

1. Pra Curar - TUYO

Em primeiríssimo lugar está o álbum mais esperado do ano pra mim e o primeiro do trio curitibano de quem sou fã e tenho laços emocionais para toda vida, TUYO.

Vindo como continuação narrativa de Pra Doer, EP lançado no ano passado, Pra Curar pode parecer uma promessa não cumprida, pois faz doer mais, mas talvez seja o grande trunfo da lírica do trio: para que haja cura, tem que enfrentar a dor.

Com produção impecável e meticulosa, o álbum é recheado de arranjos incríveis, sintetizadores, riffs ds guitarra, linhas de baixo e beats de Jean Soares como acompanhantes das harmonias vocais e orgânicas das irmãs Lilian e Layane nos entregando algo difícil de dizer em palavras, mas como diria o meme antigo: só se sabe sentir.

Thai indica: ;'( e Vidaloca



INTERNACIONAIS

15Sweetener - ARIANA GRANDE

O ano não foi fácil para Ariana Grande, o mundo todo viu a tragédia que ocorreu em seu show, fins de relacionamento, ex-namorado morto por overdose e mesmo assim, a nova princesinha do pop DESSA GERAÇÃO (Britney, nunca que vão tirar seu lugar) transformou toda dor em um bem produzido álbum que trouxe o r&b old school pra o pop novamente. É de cair o queixo ouvir os beats e melodias com vocais de R&bzão e por isso merece estar nessa lista. 

Thai indica: God is a Woman Borderline (feat. Missy Elliott)

14. Bloom - TROYE SIVAN

Eu tenho uma playlist chamada "pop do fino" e lá coloco todos as músicas pop que considero bem feitas, bem produzidas, porque eu não sou indie suficiente (e graças a Deus) pra gostar de coisa sem ser palatável de apreciar e aí vem esse menino aqui, novinho, com um álbum todo bem produzido, cheio de arranjos bonitos, aproximando-se do indie-pop, homenageando The Smiths, tocando em assuntos interessantes e importantes. Poxa, não tem nem como deixar de fora.

Thai indica: What a heavenly way to die Dance to This (feat. Ariana Grande)

13. Last day of Summer - SUMMER WALKER

O Spotify é o responsável por muitas descobertas que tenho graças ao recurso da rádio que muitas vezes me irrita, pois ocorre ao fim de um álbum que ouço. Em um desses dias eu fui presentada com o single CPR dessa então desconhecida com um nome artístico interessante. Fiquei CHOCADA, parei tudo porque, quem me conhece sabe que sou apaixonada por groove, r&b old School, músicas com baixo forte e de repente me vejo ouvindo uma canção com tudo o que eu gostava.

R&B do bom, r&b raiz, com baixo forte, beats com.aquele gravão, sabe? Mesmo assim, com um pé na melancolia, ousando em sintetizadores, piano de jazz e guitarras. Algo bonito mas não piegas ou datado, é isso que The Last day of Summer, um ótimo trocadilho com o nome da artista, é.

Thai indica: Shame CPR.

12. 7 - BEACH HOUSE

Lembro de ouvir pela primeira vez Beach House quando estava procurando o que assistir na tv e parei no canal BIS, com um show no estilo live Sessions eles tocavam "walk in The park" e eu lembro de ficar de olhos parados, captando toda aquela atmosfera obscura e estranhamente triste. Mais tarde descobri que eu sou fã de shoegaze, subgênero do rock que  nem sabia que existia, e tudo por causa deles (mesmo, na verdade Beach House sendo indie rock e dream pop).

7 é o título para o sétimo álbum (dãá!) e tem tudo aquilo pra quem gosta de música triste com muitas guitarras em peso fazendo melodias bonitas com vocais femininos.

Thai indica: Woo L'incontinue 

11. A Table full of strangers, Vol.2 - JASON UPTON

Jason Upton é um dos nomes mais conhecidos do que é comumente chamado de worship music nos Estados unidos, mas diferentemente do que marca sonoramente o "gênero", eu o considero mais um salmista moderno. Suas canções são extremamente intimistas, cheias de poesia de quem vê Deus no seu dia-a-dia e por isso me emociono tanto ao ouvir. O projeto "A table full of Strangers, Vol.2" é a continuação do disco lançado em 2017 e traz canções intimistas que versam sobre orações de enternecimento e encantamento diante da revelação de Deus na natureza, na vida e na diversidade das pessoas. Foi um disco que me acompanhou em muitas devocionais este ano. 

Thai indica: Home to me Only from You

10. Dirty Computer - JANELLE MONÁE

Mesmo se o álbum fosse ruim, eu colocaria nessa lista só por essa capa que mais parece um quadro de exposição de Arte. Janelle Monae traz em Dirty Computer o conceito do defeito no sistema como metáfora para todos os que não se adequam à "normalidade", falando de identidade e libertação sexual das mulheres e questões relacionadas às comunidades negra e lgbt. Além do disco, que na sonoridade não desperdiça guitarras (inclusive do próprio Prince) misturadas aos beats de r&b e pop, a cantora também nos presenteia com um curta-metragem contando a narrativa do disco. Vale a pena.

Obs.: A transição entre Screwed Django Jane, na parte do rap, há o melhor momento do álbum. Enjoy!

Thai indica: Screwed (feat. Zoe Kravitz) Don't judge me 

9. Lost & Found - JORJA SMITH

Ainda no clima de r&b, para abrilhantar esta lista não podia faltar a neném Jorja Smith. A britânica já estava dando o que falar com alguns singles que soltava, tendo um estoicismo bêbado na voz (que condiz com seu olhar também haha) e ousadias técnicas que a aproximação do neo-soul. Vale a pena ouvir e reouvir esta ótima estreia.

Thai indica: The One February 3rd

8. Be The Cowboy - MITSKI

Como dá pra perceber, esta lista está repleta de descobertas musicais e Mitski é uma delas. Be The Cowboy é o 5° álbum de estúdio da japonesa naturalizada americana da cena de nova York. O disco é carregado da melancolia de alguém que deseja ser escutado em todas as suas dores, mas que para isso sempre parece ter que recorrer a outra identidade para ser aceita e, por esta razão, segundo a própria artista o título do álbum é justamente se transformar no herói branco americano: o cowboy, para assim ser ouvida em todos os aspectos: aceitação étnica, amor, gênero. Ouça em dias que estiver bem para não cair na bad.

Thai indica: Geyser Old Friend

7. Suite No. 1 Oh Dreamer - THE BRILLIANCE

Fazer música confessional cristã sempre parece cair nos lugares comuns de rotulagem Worship, de louvor e adoração, ou seja, voltadas para a igreja. The Brilliance, assim como em todos os seus outros trabalhos, faz um trabalho para fora dos portões do templo. Em Suite No.1 Oh Dreamer (2018), em tempos duros de xenofobia num governo trumpista nos EUA, tendo a igreja evangélica branca americana no poder, a obra funciona como uma profecia contra a igreja americana, com duras denúncias do pecado da insensibilidade e da falta de amor para com os excluídos, tendo, literalmente a figura do estrangeiro, do imigrante como os pequeninos de Cristo, tendo peças de piano, orquestras e música eletrônica como pano de fundo.

Thai indica: Stranger Don't you Let Go

6. Evening Machines - GREGORY ALAN ISAKOV

Existem certos artistas pelos quais tenho um certo apego emocional e que sempre me fazem ter sentimentos inexplicáveis ao ouvi-los. Sinto isso quando ouço Sufjan Stevens, Tuyo, Brooke Fraser, Bon Iver e... Gregory Alan Isakov.

Não poderia ser diferente com o mais recente disco do americano; Evening Machines mantém a identidade de folk triste, algo com violão desenhando o clima da música, melodias doces e voz marcante, a tudo isso acrescenta-se a ousadia de flertar com o indie e o pop-rock. 

Thai indica: Chemicals Dark, dark, dark

5. Flowers - HALFNOISE

Zac Farro é o músico que mais admiro da banda Paramore (me perdoa, Hayley) e tudo porque vejo uma criatividade pulsante em suas obras. A Halfnoise, banda de um homem só, já passeou pelo post-rock, indie-pop, disco, funk anos 70 e cá estamos nós em 2018 com o EP Flowers com algo parecido com surf-music e rock anos 60, com um clima agridoce de término de relacionamento. 

Thai indica: Every single time Always Young

4. Room 25 - NONAME

Ainda este ano estava pesquisando aqueles pequenos shows da NPR (o Tiny desk) e dei de cara com essa menina jovem rapper de nome artístico interessante. Fiquei encantada com o flow escorregadio, derretido, como se fosse algo parecido com Chance The Rapper, falando de coisas ácidas com um sorriso no rosto.

Noname então lança Room 25 (2018) primeiro álbum, já que Telefone de 2016 é uma mixtape e já na primeira canção, embalada pelo costumeiro jazz de base (qualquer pessoa que aprecie um instrumental fino, enlouquece ouvindo isso aqui), Noname mostra a que veio, falando abertamente que ela não dá nenhuma importância para o que esperam de um álbum de rap, gênero predominantemente masculino. Ela não estaria ali pra falar sobre o que eles falam, ela falaria dela mesma.

Thai indica: Don't forget about me With you.

3. Clean - SOCCER MOMMY

Em um dia de semana enquanto lavava os pratos, momento em que tenho minhas maiores epifanias musicais, descobri essa banda de música como eu gosto: rock triste com dedilhados de folk e vocais femininos. 

Soccer Mommy foi uma das melhores descobertas do ano e seu mais recente disco Clean me acompanhou ainda por várias lavagens de pratos.

Thai indica: Still Clean Wildflowers

2. Everything is Love - THE CARTERS

Beyoncé e Jay-Z são forças da natureza e ninguém pode negar. Todo o mundo ou pelo menos quase todo o mundo acompanha a carreira desses dois que provam a todo o tempo como podem ser o que quiserem mesmo que as circunstâncias digam o contrário. Everything is Love vem para fechar o que poderia ser a trilogia sobre o relacionamento do casal musical mais famoso do mundo, trilogia iniciada por Lemonade (2016) de Beyoncé, seguido de 4:44 (2017) de Jay-z, cada um falando das dores que carregaram na crise do casamento, mas na verdade usando suas dificuldades matrimoniais para metaforizarem sobre a solidão da mulher negra (Lemonade) e a masculinidade negra tóxica (4:44). O fim da jornada desse universo mítico em torno do casamento dos dois vem como uma festa ostensiva de reconciliação com esse disco que tem uma das capas mais bonitas que já vi. Um disco que fala sobre a riqueza, o orgulho de ser preto, a celebração por terem alcançado postos grandiosos não apenas na música, mas na cultura pop, enfrentando e vencendo todas as barreiras racistas. 

Obs.: Beyoncé tem um flow INCRÍVEL. Poderia ser uma boa rapper.

Thai indica: Black Effect Apeshit

1. Boygenius - BOYGENIUS

Eu sou apaixonada por Julien Baker a ponto de ter assistir todos os três concertos no NPR Tiny Desk após ouvir "Turn out The lights" por várias vezes seguidas (história verídica). Da mesma forma sou a louca da Phoebe Bridgers, seguindo ela em todas as redes sociais e ouvindo religiosamente o "Stranger in The alps". Imagina juntar essas duas mais Lucy Dacus (que não conhecia até este projeto) e montar UMA BANDA?

O resultado é o primeiro EP autoentitulado da Boygenius recheado do tipo de música que me faz ficar a vida escutando: indie rock, indie folk + vocais femininos (em harmonia que nem as maravilhosas da The Staves).

Thai indica: Bite the Hand e Ketchum,ID


sexta-feira, 10 de agosto de 2018


ATENÇÃO: ESTES DOCUMENTÁRIOS INDICADOS PODEM CONTER GATILHOS POIS ABORDAM TEMAS COMO ESTUPROS, RELACIONAMENTOS ABUSIVOS, VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E AGRESSÃO FÍSICA.


De maneira informal cheguei a um artigo que expunha as verdades inconvenientes sobre a indústria pornográfica e mais uma vez fiquei chocada com o nojo que significa todo esse sistema de satisfação masculina em prol da exploração de mulheres (É esse texto aqui que eu falo. É possível ver como a indústria pornográfica molda a masculinidade tóxica, a violência contra as mulheres e até facilita à pedofilia, e não, não é um texto moralizante; existem dados e fontes comprovadas de pesquisas sérias). Após esse artigo, fui levada a documentários que apresentavam a temática e logo após as sugestões da Netflix me fizeram assistir outros, em pelo menos três deles eu senti uma profunda conexão: todas as indústrias de exploração humana como: pornografia, tráfico sexual e prostituição partem de um mesmo ponto: misoginia. 
Misoginia é a incapacidade de ver mulheres como seres humanos, é o desejo de entendê-las como menores, piores, objetos, animais e, dentro de nossa sociedade, instrumentos para o prazer, aceitação, admiração do homem. 
Dentro dessa visão, assim como no roteiro de The Handmaid's Tale, estamos presas a narrativas criadas por homens em que podemos ocupar o espaço de dignas de respeito (e aqui o respeito não está na humanidade intrínseca, conceito judaico-cristão para quem é conservador e adora falar sobre isso, mas em critérios que fazem uma mulher ser "respeitável".). As não dignas de respeito estão no rol das sujas, depravadas, vadias... Por causa disso, tá tudo bem serem objetos, tá tudo bem serem abusadas, tá tudo bem serem exploradas, estupradas, afinal, não alcançaram os critérios para serem vistas como humanas. 
Exatamente por esta visão, considera-se a prostituta e a atriz pornô, por exemplo, como as não dignas de respeito, as merecedoras de humilhação, as merecedoras do estupro, da morte, da exploração, afinal, por que escolheram essa vida, não é mesmo?

Acredito que esses 3 documentários servem principalmente contra o argumento de uma corrente do feminismo liberal que acredita ser "empoderador" a mulher estar na  indústria pornográfica (muitas inclusive com a intenção de criar uma espécie de "pornô feminista") ou na prostituição (regulamentando a profissão); pergunto-me com sinceridade se apesar de pesquisas sérias, documentários e investigações comprovando toda a opressão em cima de mulheres e a origem dessas profissões como a de satisfação do ego masculino, existe alguma pequena garota que sonha em ingressar nessas escolhas profissionais. A resposta, acredito eu, é não. E isso porque, por mais empoderador que pareça ser "dona" do próprio prazer, mesmo que a própria pessoa acredite, a razão das profissões e das indústrias de prostituição e pornografia são exclusivamente para prazer masculino vendo na figura da mulher um objeto a ser usado. É mais do que o ato sexual ou a natureza desse, é sobre poder e controle que não pertencem às mulheres, nem se pensassem em maneiras de "mudar a estrutura", já que se existe estrutura, ela já está fechada e completa no objetivo. 

"Hot Girls Wanted" (2015, Netflix) - Jill Bauer , Ronna Gradus 



O documentário, exibido no festival Sundance, revela como um agente de filmes adultos amadores, recruta garotas. O perfil delas obedece a um padrão: os anúncios são colocados em um site online (no EUA, Craiglist e Backspage, segundo esse e outros documentários) e elas geralmente são garotas de cidade pequena, vislumbradas com a possibilidade de ganhar muito dinheiro e irem para a cidade grande em busca de grandes realizações ou vem de lares desajustados, lidam com dependências emocionais e baixa auto-estima. Na maioria das vezes, pensam que estão respondendo a um anúncio para serem modelos, mas ao lidarem com a oferta tentadora do agente Riley de ganhar em uma cena o que ganhariam em um mês de trabalho formal, as quatro garotas: Tressa, Rachel, Brooklyn e Lucy Tyler aceitam o desafio. 
No começo tudo parece ser muito promissor: muito dinheiro em pouco tempo, mas logo após elas percebem que não tem escolha, autonomia e se submetem a humilhações e degradações. Impossível ver a indústria como empoderamento após esse documentário. 

"I am Jane Doe" (2017, Netflix) - Mary Mazzio 


Nesse intrigante documentário, acompanhamos a luta de várias famílias contra um site de anúncios chamado Backspage, responsável pela facilitação de tráfico de crianças.
O filme mostra como traficantes sexuais se utilizavam da seção adulta de anúncios para venderem garotas raptadas para fins de pornografia infantil ou prostituição infantil. 
Protegendo-se pela Primeira Emenda da constituição, artigo 230, que garante a isenção de sites para publicação de terceiros, os donos da backspace começaram a lucrar bilhões a partir da facilitação de tráfico infantil para exploração sexual. 
É de partir o coração ver todas as famílias e garotas, que no filme já são jovens adultas, com as vidas completamente destruídas após os atos criminosos.
Felizmente o governo no mês de abril desse ano (aproximadamente 9 anos depois) fechou o site oficial, mas ainda está a passos pequenos para a condenação dos responsáveis. 

"Tricked" (2013, Netflix) -  John Wasson; Jane Wells




Os palavrões e ofensas com intenção de agredir a mãe alheia sempre está no imaginário da prostituta. Essa figura que é a profissão mais antiga do mundo, segundo falam, sempre habita dois pólos no imaginário: a mulher sem valor e a que pode ser salva por algum homem decente; quem lembra de "Uma linda mulher" com Júlia Roberts e Richard Gere? Não era lindo ver de uma "mulher da vida" se apaixonando pelo seu cliente e sendo bem tratada por este, vendo nele o salvador de sua má conduta? (aliás, pouco se criticava a intenção de comprar o corpo daquela mulher vindo do galã), bem, "Tricked" vem colocar por água abaixo essa idealização. Contando a história a partir de depoimentos de ex-escravas sexuais, o documentário mostra como a estrutura da prostituição se dá a partir do aliciamento (muitas vezes por rapto, como no caso da maioria das entrevistadas), manipulação e exploração gerando o lucro do cafetão e prazer do cliente. Em nenhum desses processos a garota de programa é beneficiada. O jogo é muito bem orquestrado por esses traficantes de mulheres/cafetões: eles aliciam (ou raptam) garotas jovens, muitas vezes crianças, a partir das vulnerabilidades emocionais (e nos tempos modernos isso se dá por redes sociais em que crianças ou garotas jovens têm acesso); fazem-nas acreditar que estão dentro de um relacionamento romântico e logo após obrigam-nas a trabalharem na rua, tendo o lucro revertido para eles. O negócio lucra 3 bilhões por ano nos EUA e cafetões enriquecem. O que mais dificulta a polícia é que a maioria das prostitutas, presas em relacionamentos abusivos, acabam não tendo coragem de denunciar, muitas por considerarem ser amadas pelo cafetão, outras por medo e algumas por acabarem se envolvendo em atividades criminosas ou vício em drogas. "Tricked" é uma bomba dentro da nossa idealização e discriminação acerca da figura da prostituta, na esmagadora maioria das vezes, escrava sexual. É uma pergunta dolorida se é fruto da liberdade sexual das mulheres ou, na verdade, mais uma maneira de oprimi-las e massacrá-las. 

Depois desses três documentários nunca mais olhei e entendi o assunto da mesma forma. Diariamente isso acontece e é aterrador pensar que normalizamos uma cultura que se torna insensível às vozes de tantas meninas e mulheres sofrendo por não serem vistas como seres humanos. Definitivamente, acredito eu, você também não sairá ileso depois de assisti-los.

Obs.1: obviamente a partir de 3 documentários não é possível dar conta de todo um complexo sistema, o objetivo não é esse. Existem exceções; existem as escolhas e as outras formas de tratamento, por exemplo, dentro da indústria pornográfica. A problemática que os documentários trazem está em tentar questionar, baseando-se em evidências, depoimentos e do que é de praxe acontecer dentro desses mundos, o porquê de tudo; a origem dessas formas de entretenimento e profissões e até o que isso têm em comum, na minha visão, com tráfico sexual e cultura de estupro; são mais perguntas do que repostas, apesar de, pessoalmente, eu acreditar que a resposta está no desejo do que é forte poder controlar o que, dentro da nossa sociedade já é fragilizado: a figura feminina e a figura da criança. 

Obs.2: As pessoas sempre questionam as exceções das escolhas das profissões, por exemplo. Sim, é possível que existam pessoas que não caibam no perfil das atrizes e das prostitutas e que escolham livremente as profissões e até politicamente como ato de liberdade sexual, como já vi algumas afirmarem; a grande pergunta é se existe realmente essa liberdade de escolher racional e politicamente, sabendo do poder simbólico que há na compra ou entretenimento comprado do corpo de uma mulher dentro da nossa sociedade. Não seria estranho, se me permitem a péssima comparação, um tigre já liberto do cativeiro usar de sua liberdade para conscientemente voltar ao cativeiro, afirmando ter autonomia do próprio cativeiro? Não sei. Pode parecer uma comparação desonesta e talvez seja porque o mundo e as relações humanas são demasiadamente complexas, mas são questionamentos que valem a pena pensar e repensar para que, talvez, tenhamos um mundo com olhar mais humano e menos aniquilador. 

segunda-feira, 5 de março de 2018



No dia 4 de Março foi ao ar a 90º Premiação do Oscar , conhecida por homenagear as melhores produções cinematográficas do ano corrente. 
Acontece que, mesmo com muitas vitórias dignas, discursos poderosos e apresentações musicais esplêndidas, sempre há aquele gostinho amargo na boca não apenas pelos filmes que torcemos e não ganharam (como por exemplo no fato de que eu queria que Daniel Kaluuya ganhasse como melhor ator pela performance de Corra! ), mas também por aquelas produções que nem sequer tiveram relevância ou foram indicadas ao prêmio. (apenas Willem Dafoe foi indicado como Coadjuvante por "The Florida Project").
E é aqui que meu texto, com mais um na seção do "3 razões para..." ganha sentido: quais foram os filmes que assisti e senti falta na premiação de domingo? 
Vamos a eles!

obs.: esta é a primeira parte desse texto, visto que há outros filmes a serem indicados:

A Ghost Story (2017 - David Lowery) 



O que você faria se após a morte pudesse ver todos aqueles que você ama seguindo em frente e pouco a pouco esquecendo da sua existência? Dentro dessa dolorosa perspectiva, A Ghost Story, um drama dirigido e roteirizado por David Lowery, constrói sua narrativa tendo como protagonista um rapaz (Casey Affleck. Podiam ter escolhido outro ator em vez desse embuste? Podiam, mas fazer o quê.) apaixonado pela companheira com quem constrói um sólido relacionamento (Rooney Mara) e que após um incidente trágico que o leva a morte, tem como sina assistir a vida se desenrolar mesmo com sua ausência. 

Primeiro motivo para ver: um fantasma com lençol branco que não é nem cômico e nem assustador 


 É de uma originalidade e simplicidade sem tamanho que a escolha para o ser etéreo em que se transformou o personagem principa seja  uma exploração do universo da consciência coletiva a respeito de fantasmas: lençóis brancos com buracos indicando os olhos. A parte mais original ainda é que essa imagem não evoca o terror e nem o seu completo oposto, comédia; na verdade a imagem icônica do ser de branco remete à poderosa mensagem do filme: somos todos tão esquecíveis quanto um lençol com buracos como olhos. 

Segundo motivo para assistir: uma cena peculiar

Há uma cena (LONGA!), que obviamente não irei revelar, mas que é uma das melhores partes do filme e ironicamente é considerada também uma das mais boring: uma pessoa comendo uma torta. Não entendeu? Assista e veja o que isso pode ter a ver com uma atuação humana de Rooney Mara e o que significa estar em luto e perder o amor de sua vida. 

Terceiro motivo para assistir: crise existencial na certa

Obviamente todos nós fugimos de crises existenciais justamente porque essas nos causam dores e nos fazem pensar em situações e condições nossas que não são confortáveis de admitir. Mas se você é como eu, com certeza terá a curiosidade de refletir sobre os temas mesmo que ao fim lhe tragam dores por lhes lembrar de sua efemeridade. Está aí o cerne da obra de Lowery: somos todos efêmeros e por esta razão, esquecíveis. Não há nada que façamos, por mais grandioso que seja que impeça nossa mortalidade e o fato de que somos minúsculos e provavelmente não faremos assim tanta diferença no mundo. Doeu? Aposto que quando você for assistir essa obra, essa dor valerá a pena já que sofrer tem lá suas vantagens, principalmente quando se assiste a algo tão belo. 




The Florida Project (2017 - Sean Baker)


A Disneylandia é, com certeza, um dos lugares mais mágicos do mundo. É lá que nossas fantasias infantis são perpetuadas e, de alguma nos constroem. É lá que a vida é em cor de rosa e o conto de fadas fatalmente termina em "felizes para sempre".
Mas é também na cidade de Orlando (onde fica a Disneylândia) que o lado não tão doce da vida é experimentado todos os dias em um motel decadente. Mesmo assim, a infância e a doçura de ser criança parecem ser o motor que dá vigor a toda a amargura da vida adulta. É assim que Moonee, uma garotinha de 6 anos, juntamente com seus amigos, se adaptam às condições e vivem aventuras de infância que fazem com que o mundo da Disney pra elas seja real, apesar de mães irresponsáveis e péssimos exemplos nesse drama de Sean Baker (que já falei aqui nas minhas impressões do incrível Starlet).

Primeiro motivo para ver: a infância como nossa Disney

  Até hoje tenho em minha memória afetiva vários acontecimentos de infância que apesar de terem sido completamente banais foram vividos por mim como épicas aventuras dignas de grandes filmes da Disney. E não será assim toda a infância? Dentro dessa perspectiva de afeto e memória, a infância é docemente tratada nessa obra como essa lente de pureza que nos faz ver a vida com outros olhos, apesar de todos os obstáculos.

Segundo motivo para ver: Brooklynn Prince(!!!)

 Essa garotinha pode ser apenas um pedacinho de gente, mas tem todas as chances do mundo de se tornar uma das grandes atrizess da geração. Falo isso porque a performance da atriz Brooklynn Prince é uma das mais naturais, palpáveis e críveis que já vi. Por vários momentos pensamos estar assistindo a um documentário (isso talvez seja o estilo de Sean Baker como diretor) e por isso os personagens são construídos de forma tão verossímeis e Moonee, por vezes se torna real pra nós por causa do talento da pequena.


Terceiro motivo para ver: um ESPETÁCULO visual




O trabalho que Alex Zabe faz com a fotografia aqui é simplesmente SENSACIONAL. Apesar de ser ambientado em um motel decadente com pobreza e ruínas, o aspecto visual nos faz ver beleza até nas partes declaradamente "feias", evocando a Disney que é a infância pelos tons de rosa e azul, claramente o mundo visto pela perspectiva das crianças.












Por essas e outras, apesar de não ser crítica de cinema, entendo que filmes nos contam histórias e não apenas nos contam, mas de alguma forma nos tocam. Isso aconteceu com essas duas obras, tão peculiares entre si, mas que me fizeram refletir, chorar ou quem sabe apenas dar aquele sorrisinho de satisfação por estar contemplando algo realmente bonito. 
E quem liga pra Oscar quando filmes se tornam queridos nossos?  

E quanto a você? Quais são seus esnobados do Oscar preferidos? 
Diz pra mim nos comentários.

sábado, 24 de fevereiro de 2018




Para quem cresceu e convive com o meio religioso sabe que com o tempo, a repetição e o rito acabamos criando muita facilidade para a performance. 
Na performance não há espaço para o desconforto de se expor e nem o desconforto de ouvir o desabafo do que realmente se está sentindo. Simplesmente se assume um papel e finge-se que está tudo bem e assim o tempo passa até nos esquecermos de quem somos e no porquê cremos no que cremos.

Com o tempo, tudo o que acreditamos e pensamos não são mais colocados como fundamentos e significados para a existência, porque quanto mais perto da performance, mais longe da essência. 

E é exatamente sobre essa premissa que Confissões (2018), lançado no dia 5 de fevereiro pela Novo Tempo se ampara. 

O álbum é curto e contém 7 músicas em uma coesão temática e musical que fazem cama para as letras altamente honestas de Pillar, assim também como uma capa sugestiva de uma ovelha desenhada, talvez para representar o cerne lírico do disco: somos todos ovelhas desgarradas.



Reina, canção que abre o disco, apresenta um folk minimalista como base para uma oração sincera sobre a sensação de enfado de alguém que cansou de não ser aquilo que o Pai deseja, em um refrão que pede o Reino de Deus na vida do eu lírico. 

Fantasias, para mim a melhor canção do álbum, segue com o folk de Reina, tem a mesma a linha temática da canção "Sentido" do disco anterior de Jeferson que aborda a busca por identidade, mas aqui entendem-se as fantasias usadas como a capacidade performática da religião em contraste com o atual estado de quem canta: "meu quarto está uma bagunça". É de ouvir e sentir pontada no coração de tanta sinceridade exposta. 

Eu vilão, terceira faixa, difere sonoramente das duas primeiras e do restante do álbum por ser algo mais puxado para o pop/rock-canção, mas tematicamente ainda apresenta a honestidade das duas primeiras e por estar em uma roupagem mais rock, a letra é ainda mais enfática e ácida: "sou meu bandido/ meu ladrão/ meu assassino/ meu vilão, minha pedra de tropeço/mas eu não me quero mais/estou tentando dar adeus pra mim/e seguir só o Teu caminho".

Quem me dera, quarta faixa, acompanhada de arranjos de piano em uma melodia melancólica é a roupagem perfeita para uma espécie de oração quebrantada cheia de lágrimas e arrependimentos. Impossível não ser tocado pela sinceridade de uma oração que admite a dificuldade de alguém que quer ser diferente, mas nunca consegue chegar ao que deveria. Lentamente a canção que no começo é apenas uma balada com piano, cresce para uma balada pop/rock ainda colocando em evidência a melancolia da canção. 

Tempo, juntamente com Eu Vilão é a que mais se difere sonoramente das demais, mas mesmo assim percebe-se que há uma coesão sonora no disco que dança entre os pólos de folk e pop/rock. Tempo é mais uma canção nostálgica mas com uma instrumentalização mais alegre, que fala dos arrependimentos de não ter aproveitado o tempo para desfrutar de momentos importantes. 

Aprisco, possuindo relação temática e sonora com "how he love us" de John Mark McMillan, Aprisco talvez seja o resumo encontrado na capa e que explica o disco todo: é uma oração de uma ovelha desgarrada, prestes a desistir, cansada o suficiente para não conseguir mais voltar para o aprisco, até ser encontrada pelo amor insistente do Pastor. Talvez seja uma das melhores canções para explicar o que seria a Graça de Deus e o momento em que Ele nos encontrou. Com belíssimos arranjos de cordas juntamente com violões de folk e piano, é uma das mais belas e emocionantes do disco. 

Capital encerra o disco de forma esperançosa e funciona como o último estágio da narrativa descrita no álbum. Se no começo há a confissão, logo após há o arrependimento e a volta para o aprisco, que se finaliza com a esperança irredutível de que há um lugar onde não seremos mais tão inconstantes e viveremos felizes com Deus. A esperança sonora e lírica da canção leva-nos a uma sensação de alegria produzida não apenas pela letra, mas também pelo folk-pop da canção.

Apesar de optar por sonoramente contrastar o folk limpo e a balada pop/rock, o que talvez tenha soado como falta de coesão sonora de uma canção para outra, acredito que em muito tempo não escuto um disco de confissão cristã com tanta honestidade e sendo capaz de abalar com a estrutura filosófica da música cristã que prioriza a performance. 
Vale a pena ouvir, orar e se arrepender com "Confissões", quem sabe fazendo das orações sinceras de Jeferson Pillar, as nossas. 

Thai indica: Reina, Fantasias, Quem me dera e Aprisco.
Nota: 8,9.